3 de junho de 2008

A folia nos estádios de futebol

Na final do Campeonato Carioca deste ano, em jogo que o Flamengo consagrou-se campeão com uma vitória por 3 a 1 sobre o Botafogo, a torcida rubro-negra deu um show à parte. Ao fim da partida, com o resultado já consolidado, milhares de torcedores cantaram a marchinha carnavalesca “Mamãe eu quero” para provocar os botafoguenses, lembrando o famoso episódio do chororô, em um dos confrontos entre os dois times esse ano. O coro surgiu espontâneo, entre um pequeno grupo de torcedores, e, de repente, já ecoava por todo o estádio. Afinal, quem é que não conhece essa e outras tantas marchinhas carnavalescas? O fato deu-me a inspiração para falar um pouco com vocês sobre essa estreita relação entre as torcidas de futebol e o Carnaval.

As marchinhas que faziam sucesso nos salões e nas ruas começaram a ser cantadas nos estádios na final do Campeonato Carioca de 1942. Jaime de Carvalho, um rubro-negro apaixonado, reuniu um grupo de torcedores que invadiu o estádio das Laranjeiras com instrumentos de percussão, clarins, um pistom e um trombone. A pequena, mas barulhenta bandinha, ajudou a empurrar o time para conquistar o título daquele ano em cima do Fluminense.

Empolgados com a estréia vitoriosa, o grupo passou a acompanhar todos os jogos do Flamengo. Ary Barroso, comentarista de futebol e flamenguista fanático, acabou batizando a bandinha rubro-negra com o apelido de “charanga”, pois ele dizia que se tratava apenas de um conjunto musical desafinado e barulhento. Ary, além de gostar de futebol, também era compositor e sua “Aquarela Brasileira” serviu de inspiração para Silas de Oliveira compor o samba homônimo para o desfile da Império Serrano de 1964. Ary Barroso ainda foi homenageado pela União da Ilha em 1988 com o enredo “Aquarilha do Brasil”. Apesar do nome jocoso dado pelo compositor, o fato é que a Charanga Rubro-Negra de Jaime de Carvalho inspirou torcedores de outros times a também formarem as suas próprias charangas.

Na Copa do Mundo de 1950, realizada no Brasil, a charanga de Jaime se vestiu de verde e amarelo. Na partida válida pelo quadrangular final, entre Brasil e Espanha, o Maracanã recebeu um público de mais de 200 mil pessoas, e lá estava a charanga para apoiar a seleção brasileira. A crônica esportiva exaltava a seleção espanhola e previa um jogo muito difícil, mas, comandada por Zizinho e Ademir Menezes, a equipe brasileira dava olé em campo. Com o placar indicando 6 a 1, a charanga viu que o “touro espanhol” não era tão bravo assim e começou a tocar a marchinha “Touradas em Madrid”, sucesso do Carnaval de 1938. O efeito cascata tomou conta do Maracanã e milhares de torcedores começaram a acenar com lenços brancos e a cantar debochadamente numa só voz:

“Eu fui às touradas em Madri
(Bum paratchimbum)
E quase não volto mais aqui
Para ver Peri beijar Ceci”


Entre os espectadores, estava o autor da marchinha, João de Barro, o Braguinha, que não se conteve e chorou de emoção. O compositor se emocionaria novamente em 1984, na homenagem prestada pela Mangueira, com o enredo “Yes, nós temos Braguinha”, levando a verde-e-rosa a conquistar o primeiro título da era Sambódromo. A marchinha “Balancê”, de Braguinha, é cantada até hoje pela torcida do Fluminense que trocou alguns versos para fazer referência ao time.

Lamartine Babo, outro grande compositor de marchinhas carnavalescas, também tem suas composições cantadas até hoje nos estádios. Os hinos em ritmo de marchinha, criados nos anos 1940, se tornaram tão populares que ofuscaram os hinos oficiais que os clubes tinham até então. Curiosamente, o saudoso Lalá também virou enredo e deu o título do Carnaval de 1981 à Imperatriz, com “O teu cabelo não nega (Só dá Lalá)”.


São muitos os casos em que o futebol e o Carnaval se encontram. Em 1989, o samba “Festa Profana” da União da Ilha virou um hino dos torcedores que comemoravam a vitória dos seus times com os versos “Eu vou tomar um porre de felicidade / Vou sacudir, eu vou zoar toda cidade…”. Em 93, o Salgueiro deu um show na Sapucaí com “Peguei um Ita no Norte” e os versos “Explode coração na maior felicidade…” logo ganharam as arquibancadas dos estádios. Em 94, foi a vez do samba da Mangueira “Me leva que eu vou sonho meu…” fazer a alegria das torcidas. Em 95, a Estácio de Sá, com o enredo “Uma vez Flamengo” fez uma homenagem ao centenário do clube e o samba caiu na boca dos rubro-negros. Em 98, a Unidos da Tijuca celebrou os 100 anos do Vasco e, apesar de ter sido rebaixada para o Grupo de Acesso, a torcida vascaína canta o samba durante as partidas e tem um carinho enorme pela agremiação tijucana. E o que dizer do samba de Neguinho da Beija-Flor que é cantado por todas as torcidas, mudando apenas o nome do clube no final do refrão? “Domingo eu vou ao Maracanã / Vou torcer pro time que sou fã…”. É de arrepiar!

Apesar não serem mais executadas nas rádios, as marchinhas e sambas carnavalescos ainda fazem parte do repertório de músicas que as torcidas cantam nos estádios. Entretanto, é uma pena que as charangas estejam desaparecendo ou se apresentem em número muito reduzido de músicos, se destacando apenas em jogos de times pequenos do subúrbio ou do interior. Espero que as velhas charangas sejam mais prestigiadas pelos clubes e voltem com força total. Afinal, tem coisa melhor do que assistir a um jogo de futebol ouvindo sambas e marchinhas de Carnaval?

Abaixo, segue um vídeo sobre a Charanga do Flamengo exibido em um programa da TV Cultura.

http://br.youtube.com/watch?v=hENl4RTuh34